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Arte e Resistência: Como a Cultura Enfrentou a Ditadura Militar e Continua Lutando Contra o Autoritarismo

Durante 21 anos de censura e repressão, a cultura brasileira desafiou a ditadura militar com música, cinema, teatro e literatura, tornando-se uma voz de resistência que ecoa até hoje.

Jeremias Santos
Por: Jeremias Santos
31/03/2025 às 11h53 Atualizada em 31/03/2025 às 12h02
Arte e Resistência: Como a Cultura Enfrentou a Ditadura Militar e Continua Lutando Contra o Autoritarismo
Enterro do estudante Edson Luís. Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã

Cultura sob a Ditadura Militar: A Resistência Artística Contra a Repressão

Nesta segunda-feira, 31 de março de 2025, completam-se 61 anos do golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil. Durante 21 anos (1964-1985), o regime impôs censura, perseguiu opositores, reprimiu manifestações culturais e silenciou artistas. Mesmo diante de ameaças, a cultura se tornou uma trincheira de resistência, usando a música, o teatro, o cinema e a literatura para desafiar o autoritarismo.

A lembrança desse período é essencial no cenário atual, onde discursos que relativizam a ditadura ainda ecoam. A arte, antes e agora, cumpre um papel crucial na defesa da democracia e na luta contra a repressão.


A Ditadura Militar e a Supressão das Liberdades

O golpe de 1964, apoiado por setores militares, empresariais e políticos conservadores, depôs o presidente João Goulart sob o pretexto de combater uma suposta ameaça comunista. No lugar da democracia, instalou-se um governo militar marcado pela restrição de direitos, pela censura e pela violência.

Os primeiros anos do regime ainda mantiveram uma fachada institucional, mas em 1968, com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), todas as liberdades civis foram praticamente suprimidas. O Congresso Nacional foi fechado, a tortura virou política de Estado e qualquer manifestação artística, jornalística ou acadêmica que questionasse o regime era censurada ou punida.

A cultura, naturalmente contestadora e reflexiva, tornou-se alvo da repressão. O governo militar entendia que a arte era uma poderosa arma de mobilização e, por isso, censurou músicas, peças de teatro, filmes, livros e reportagens. Artistas foram perseguidos, exilados, presos e, em alguns casos, assassinados.


A Cultura Como Resistência

Diante desse cenário sombrio, a arte não se calou. Mesmo sob vigilância e censura, músicos, cineastas, escritores e dramaturgos encontraram formas criativas de protesto, utilizando metáforas e simbolismos para driblar a repressão.

Música e Censura

A música foi uma das áreas mais atingidas pela censura, mas também uma das mais combativas. Canções que criticavam a ditadura eram proibidas e seus autores perseguidos. No entanto, os artistas encontraram maneiras engenhosas de continuar suas denúncias:

  • Chico Buarque, um dos mais perseguidos pelo regime, teve diversas músicas censuradas. "Cálice", composta com Gilberto Gil, denunciava o silêncio imposto pela repressão, mas foi proibida. Para escapar da censura, ele criou um pseudônimo, "Julinho da Adelaide", e lançou músicas sem levantar suspeitas.

  • Geraldo Vandré, autor de "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", tornou-se um ícone da resistência. Sua música virou um hino contra a ditadura, levando milhares às ruas. Logo após sua apresentação no Festival Internacional da Canção de 1968, ele foi obrigado a se exilar e, quando retornou ao Brasil, vivia recluso e sem falar sobre o passado.

  • Elis Regina, mesmo sem se posicionar diretamente contra o regime, teve sua carreira marcada pela repressão. A gravação de "O Bêbado e o Equilibrista", composta por Aldir Blanc e João Bosco, tornou-se um hino pela anistia dos presos políticos.

Além da MPB, o rock também enfrentou problemas. Raul Seixas teve músicas censuradas e chegou a ser levado para interrogatórios. O tropicalismo, movimento liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, foi visto como uma ameaça e resultou na prisão e exílio dos dois artistas.

Teatro e Cinema na Mira da Repressão

O teatro e o cinema foram alvos constantes da ditadura. O Teatro de Arena, liderado por Augusto Boal, e o Grupo Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, eram espaços de resistência, onde peças como "Arena Conta Zumbi" denunciavam a opressão.

Boal, criador do Teatro do Oprimido, foi preso e torturado antes de se exilar. Gianfrancesco Guarnieri, autor de "Eles Não Usam Black-Tie", também foi vigiado pelo regime.

No cinema, o Cinema Novo, representado por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues, retratou as desigualdades sociais e a miséria do povo brasileiro, desafiando o regime. Muitos filmes foram proibidos ou só puderam ser exibidos no exterior.

Literatura e Imprensa Perseguidas

Os livros também foram alvos da censura. Obras como "Zero", de Ignácio de Loyola Brandão, e "Incidente em Antares", de Erico Verissimo, foram vetadas. O poeta Ferreira Gullar, após escrever o "Poema Sujo", precisou se exilar.

O jornalismo foi um dos setores mais afetados, com censura direta nos jornais e assassinatos de jornalistas, como Vladimir Herzog, morto nas dependências do DOI-CODI em 1975.


Exílios, Prisões, Tortura e Morte

A repressão não se limitou à censura. Artistas foram presos, torturados e mortos pelo regime. Entre os casos mais emblemáticos:

  • Caetano Veloso e Gilberto Gil, presos em 1968 e forçados ao exílio.

  • Geraldo Vandré, exilado e silenciado após o sucesso de sua música.

  • Augusto Boal, preso e torturado antes de ser expulso do Brasil.

  • Stuart Angel, músico e militante do MR-8, torturado até a morte pelo regime.

  • Vladimir Herzog, jornalista assassinado em 1975, vítima de uma simulação de suicídio.

A lista de perseguidos é longa, mas a arte nunca se rendeu totalmente.


O Papel da Cultura Hoje

Se no passado a cultura lutou contra a ditadura com metáforas e resistência silenciosa, hoje ela tem a responsabilidade de manter viva a memória desse período sombrio.

O Brasil de 2025 ainda presencia tentativas de reescrever a história, de exaltar a ditadura e de desacreditar as vítimas da repressão. Nesse contexto, a arte continua sendo um instrumento de conscientização e luta.

A valorização da cultura democrática, o incentivo a obras que retratam o período e a rejeição a discursos autoritários são essenciais para que a sociedade não volte a repetir os erros do passado.

A cultura resiste. Ontem, hoje e sempre.

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