A Quinta-feira Santa é uma das datas mais marcantes do calendário cristão. Ela abre o chamado Tríduo Pascal — que inclui também a Sexta-feira da Paixão, o Sábado de Aleluia e o Domingo de Páscoa — e convida os fiéis a mergulharem nos últimos momentos da vida de Jesus Cristo antes da crucificação. Em Oeiras, cidade histórica do Piauí e reconhecida como a “Capital da Fé”, essa celebração ganha contornos únicos, carregados de simbolismo, emoção e uma profunda conexão com o passado.
Em meio às ruas de pedra e casarões coloniais do Centro Histórico de Oeiras, um espetáculo de fé toma forma na noite da Quinta-feira Santa: é a tradicional Procissão do Fogaréu, um dos momentos mais emblemáticos da Semana Santa na cidade.
Homens de todas as idades, vestidos de branco, caminham pelas ruas com tochas nas mãos, formando um rio de luz que corta a escuridão. As luzes públicas são apagadas, os sinos se calam e o silêncio toma conta da cidade. É como se o tempo parasse para reviver a cena simbólica da prisão de Jesus no Horto das Oliveiras. Os rostos dos fiéis, iluminados pelas chamas, revelam o peso da fé e da tradição transmitida de geração em geração.
A procissão do Fogaréu não é uma encenação teatral com falas ou personagens caracterizados, mas uma vivência simbólica. O cortejo representa a perseguição feita pelos soldados romanos a Jesus, momentos antes de sua prisão, julgamento e crucificação. Em Oeiras, esse ato de fé se transforma em um verdadeiro ritual coletivo, que atrai turistas, estudiosos da cultura popular e devotos de todo o país.
Mais do que uma expressão religiosa, a procissão é também um símbolo da identidade oeirense, resgatando uma tradição que remonta ao período colonial e que resiste ao tempo como patrimônio imaterial da cidade. Em muitas famílias, participar da procissão é uma promessa renovada todos os anos.
Além de marcar o início do sofrimento de Cristo, a Quinta-feira Santa celebra a Última Ceia — o último jantar de Jesus com seus discípulos. Durante essa refeição, Jesus institui a Eucaristia ao repartir o pão e o vinho, símbolos de seu corpo e sangue, pedindo aos discípulos que repetissem aquele gesto em sua memória.
É nesse momento que nasce o sacramento da Comunhão, que para os católicos é o coração da liturgia. O ato de comungar representa a participação direta no mistério da fé cristã: a entrega total de Jesus por amor à humanidade. Por isso, a Missa da Ceia do Senhor é celebrada com solenidade, geralmente à noite, nas igrejas de todo o mundo.
Durante essa missa, realiza-se também o rito do Lava-pés, em que o padre lava os pés de doze pessoas da comunidade, relembrando o gesto de humildade feito por Jesus com seus apóstolos. Esse gesto é um convite à vivência do amor fraterno e do serviço ao próximo, pilares da mensagem cristã.
Após a missa, o altar é despojado, as imagens são cobertas e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão para um lugar de adoração. É o começo da vigília que prepara os fiéis para o drama da Paixão.
A Quinta-feira Santa é celebrada em diferentes tradições cristãs com rituais semelhantes, embora com algumas variações litúrgicas e teológicas.
Na Igreja Ortodoxa, a Eucaristia é também celebrada com grande reverência, e o Lava-pés costuma ser realizado por bispos, lavando os pés de doze sacerdotes. O tom das orações é intensamente contemplativo e penitencial.
Entre as Igrejas protestantes históricas, como luteranos e anglicanos, a data é celebrada com cultos que lembram a Última Ceia e o mandamento do amor. Em muitas comunidades, o Lava-pés é mantido como prática simbólica, reforçando o chamado ao serviço e à igualdade entre os irmãos.
Já em algumas igrejas evangélicas de tradição pentecostal, a Quinta-feira Santa não é destacada de forma litúrgica, mas a instituição da Ceia é lembrada em cultos específicos de Santa Ceia, realizados periodicamente.
Em denominações como os Adventistas do Sétimo Dia, o Lava-pés é praticado regularmente como parte da cerimônia da Ceia do Senhor, sendo chamado de “cerimônia da humildade”. Homens lavam os pés uns dos outros, assim como as mulheres entre si, num gesto de simplicidade e comunhão.
A Quinta-feira Santa, seja na monumentalidade silenciosa do Fogaréu de Oeiras, seja na simplicidade de uma pequena celebração doméstica, é um convite ao mergulho na fé. É um chamado à memória do Cristo que se deu por inteiro e nos ensinou que o amor se traduz em gestos concretos: partilha, perdão, humildade, comunhão.
Em tempos de tantas dores e divisões, reviver a Quinta-feira Santa é também uma oportunidade de refletir sobre o que nos une: o desejo por uma vida mais justa, mais fraterna, mais enraizada na esperança.