Na tarde da Sexta-feira Santa, Oeiras silencia. Os sinos se calam, o burburinho do comércio dá lugar ao recolhimento, e a cidade histórica mergulha em uma atmosfera de luto e contemplação. É o dia da Paixão de Cristo — quando os cristãos recordam a condenação, crucificação e morte de Jesus. Em Oeiras-PI, Capital da Fé, a data é vivida com intensa devoção e carregada simbologia, reunindo tradição, memória e espiritualidade nas ruas e templos.
O drama da cruz: celebração da Paixão do Senhor
Na parte da tarde, a Catedral de Nossa Senhora da Vitória acolhe os fiéis para a solene Celebração da Paixão do Senhor, marcada pela leitura do Evangelho segundo João, que narra com profundidade os últimos momentos de Jesus. A liturgia desse dia não é uma missa. O altar permanece descoberto, sem toalhas, sem flores, e o clima é de luto sagrado.
Durante o rito, há também o gesto do **beijo na cruz**, em que os fiéis se aproximam em silêncio para tocar ou beijar a imagem do Cristo crucificado. Um gesto que fala sem palavras: sinal de fé, reverência e gratidão.
O Descendimento da Cruz: dor, silêncio e piedade
Após a celebração, um dos momentos mais comoventes da Semana Santa acontece: o Descendimento da Cruz, rito tradicional em Oeiras. Nele, a imagem de Cristo é cuidadosamente retirada da cruz por personagens que representam José de Arimateia e Nicodemos, numa representação simbólica inspirada no relato bíblico.
Comovente e silenciosa, a cena mostra o corpo do Senhor sendo baixado, envolvido num lençol branco, e entregue aos braços de Maria, em alusão à dor da mãe diante da morte do filho. O gesto emociona fiéis de todas as idades e arranca lágrimas de muitos, marcando profundamente o coração de quem assiste.
Procissão do Senhor Morto: a cidade caminha com a cruz
À noite, a cidade acompanha em silêncio a Procissão do Senhor Morto, quando a imagem de Jesus, agora morto, é colocada em um andor coberto e conduzida pelas ruas do centro histórico. A procissão é acompanhada por multidões que caminham em silêncio, num cortejo de respeito e oração.
As luzes da cidade parecem se curvar diante da escuridão da morte de Cristo. O momento é de reflexão pessoal e coletiva. Cada fiel carrega consigo não apenas a memória da cruz, mas também suas próprias dores, perdas, dúvidas e esperanças.
É comum que, durante toda a Sexta-feira Santa, as famílias oeirenses mantenham tradições como o jejum, a abstinência de carne, o silêncio dentro de casa, o desligamento de aparelhos eletrônicos e a dedicação à oração. Um dia sem festas, sem barulho, sem distrações — apenas recolhimento.
Tradições cristãs e outras vivências de fé
Embora seja uma data essencialmente cristã, a Sexta-feira Santa também é respeitada por outras tradições religiosas. Igrejas protestantes históricas, como luteranas, anglicanas e presbiterianas, celebram cultos específicos nesse dia, com leituras bíblicas e meditações sobre o sofrimento de Jesus. Já em muitas igrejas evangélicas pentecostais, não há um ritual fixo, mas são realizados cultos de oração, jejum e reflexões sobre o sacrifício do Salvador.
Nas religiões de matriz africana, a data é carregada de respeito e simbologia, mesmo sem fazer parte de seu calendário litúrgico oficial. Muitos terreiros de Candomblé e Umbanda suspendem as atividades, recomendam jejum e orientam o uso de roupas brancas. Isso porque, no sincretismo religioso, Jesus Cristo é muitas vezes associado ao orixá Oxalá, símbolo da paz, da criação e do sacrifício.
Assim como Jesus, Oxalá é uma entidade que carrega a energia da entrega, da serenidade e da dor transformadora. A convergência simbólica entre ambos toca os praticantes dessas religiões, que veem na crucificação um espelho do sofrimento ancestral de um povo que também aprendeu a resistir com dignidade.
Um dia de silêncio que anuncia a esperança
Em Oeiras, a Sexta-feira da Paixão é um convite coletivo à pausa. Um dia em que as tradições religiosas, mesmo diferentes em forma, se encontram em essência: no respeito à dor, na reverência à entrega e na esperança de que a morte não tem a última palavra.
O silêncio das ruas e o peso da cruz anunciam que, embora o corpo esteja morto, a fé permanece viva. E é ela que conduz a cidade até o amanhecer da ressurreição, quando a cruz, antes símbolo de morte, se tornará sinal de vida nova.